Governança para adaptação nas terras altas da Guatemala
A população indígena da microbacia do rio Esquichá (município de Tacana, na parte superior da bacia do rio Coatán) vive com altos índices de pobreza e vulnerabilidade climática. A microbacia (38 km2) apresenta tendências de desmatamento, danos causados pela praga do gorgulho do pinheiro, erosão do solo, variações nas chuvas, ventos fortes, secas e geadas, que aumentam os riscos de deslizamentos de terra e perda de bens. Para enfrentar esses desafios, as necessidades das comunidades com relação à restauração, à proteção e à reparação das florestas e à produtividade exigiram atenção. Para isso, a governança da microbacia foi fortalecida sob uma abordagem multidimensional, participativa, flexível e ecossistêmica. A solução combina esses quatro elementos para fortalecer as capacidades comunitárias e municipais de gestão de recursos naturais; gerenciar zonas de recarga de água como uma estratégia de adaptação. Como resultado, o município de Tacaná alocará recursos para medidas de EBA no Plano de Desenvolvimento.
Contexto
Desafios enfrentados
- As comunidades agrícolas indígenas são vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas (fortes variações nos padrões de chuva, furacões, ventos fortes, secas, geadas, causando deslizamentos de terra, erosão do solo, perda de safras, danos à infraestrutura)
- Os agricultores têm baixa escolaridade e alta pobreza, o que pode causar menos acesso a informações meteorológicas e outros fatores que aumentam sua capacidade de adaptação. Poucas oportunidades econômicas na área, o que limita a implementação de tecnologias agrícolas.
- As florestas estão enfrentando fortes pressões, inclusive aquelas que abrigam fontes de água, ameaças do gorgulho do pinheiro e outras sob sistemas tradicionais.
- Lacunas na aplicação de leis e regulamentos para a gestão de recursos hídricos e naturais (Constituição, Código Municipal, Código de Saúde, Lei Florestal)
- Necessidade de melhorar a coordenação entre diferentes jurisdições administrativas, vários níveis de governo (comunitário, municipal, departamental, regional, nacional) e diferentes setores, para ações de adaptação mais integrais
Localização
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Resumo do processo
A governança para EbA refere-se a como o poder é exercido, as responsabilidades são distribuídas e as decisões são tomadas para responder às mudanças climáticas com soluções baseadas na natureza. Essa solução propõe um modelo de governança que é multidimensional (BB1), participativo (BB2), flexível (BB3) e com uma abordagem ecossistêmica (BB4).
- No BB1, a articulação entre os municípios, as comunidades e as instituições nacionais foi aprimorada para garantir o acesso aos incentivos florestais.
- BB2, a governança foi reforçada para ser mais inclusiva e favorecer o empoderamento local, especialmente das mulheres, ampliando assim a participação local.
- BB3, as medidas foram monitoradas e avaliadas a fim de tomar decisões informadas e influenciar os instrumentos de política e gestão em relação às incertezas futuras sobre a extensão dos impactos da mudança climática/impactos relacionados ao clima.
- BB4, a abordagem de ecossistema foi integrada ao planejamento municipal local
Blocos de construção
Alcançando uma governança multidimensional para adaptação
O Conselho da Microbacia do Rio Esquichá atua como uma plataforma para o diálogo, a defesa de direitos, a capacitação e a apropriação de lições aprendidas e ferramentas; portanto, é um meio fundamental para ampliar a EBA em diferentes níveis. Com vistas ao escalonamento vertical, as lições de seu trabalho influenciaram diferentes níveis:
- O município de Tacaná, que incluirá medidas de AbE no planejamento municipal.
- o Conselho do Rio Coatán (somente com autoridades nacionais guatemaltecas), que facilita a cooperação e o gerenciamento intersetoriais com uma visão de toda a bacia, além da mera esfera político-administrativa.
- a Coordenadoria de Recursos Naturais e Meio Ambiente do Departamento de San Marcos (CORNASAM). A CORNASAM coordena os esforços de atores governamentais e ONGs, bem como dos municípios do Departamento de San Marcos.
- a Secretaria Nacional de Planejamento (SEGEPLAN), a fim de melhorar as diretrizes dadas ao planejamento dos municípios.
- o Ministério do Meio Ambiente (MARN), que está usando as lições aprendidas para ampliar um projeto do Fundo Verde para o Clima que implementa medidas de AbE.
- o Instituto Florestal (INAB)
É necessário trabalhar mais para ter uma coordenação binacional da bacia do rio Coatán, compartilhada entre a Guatemala e o México, para ter um impacto maior sobre os benefícios da AbE.
Fatores facilitadores
- Uso do conhecimento tradicional e das experiências locais para selecionar medidas de AbE, possibilitando a aplicação da AbE
- A estrutura participativa do Conselho da Microbacia do Rio Esquichá, que é composto pelos Conselhos de Desenvolvimento Comunitário das comunidades locais, promoveu a possibilidade de trabalhar de forma organizada e influenciar níveis mais altos (por exemplo, Conselhos Municipais).
- A existência da CORNASAM desde 2004 foi um fator favorável, já que a finalidade dessa plataforma se alinha bem com o objetivo de melhorar as capacidades de adaptação na microbacia
Lição aprendida
- Plataformas como a CORNASAM são ideais para fortalecer a governança da adaptação, pois reúnem instituições e autoridades nacionais e subnacionais de diferentes setores (integração vertical). A CORNASAM busca reduzir as abordagens isoladas e visa facilitar a identificação de benefícios mútuos e sinergias entre os setores e suas necessidades de adaptação (integração horizontal).
- A governança para EbA deve promover a participação aberta, equitativa, respeitosa e eficaz, de modo que os processos de planejamento e tomada de decisão sejam enriquecidos pela participação e os resultados sejam aceitos por todas as partes envolvidas.
Obtenção de governança participativa para adaptação
Para fortalecer a governança, foi necessário fazer melhorias na participação do governo e das partes interessadas locais na gestão da microbacia.
Em nível local, a base organizacional das comunidades foi reforçada por meio de líderes comunitários e sua compreensão da importância das áreas de recarga de água. Além disso, foi apoiada pelas Comissões Comunais de Viveiros Florestais, geralmente administradas por mulheres, e pelos Conselhos de Desenvolvimento Comunitário, que foram mais fortemente integrados ao Conselho da Microbacia do Rio Esquichá. Assim, a participação foi catalisada de baixo para cima, notadamente com a participação de jovens, especialmente em eventos de reflorestamento que envolviam mais de 1.000 pessoas.
O papel do Estado também aumentou por meio de diálogos e acordos com os municípios e do acesso das comunidades a incentivos florestais. O maior valor agregado foi o empoderamento local obtido por meio da mobilização social (incluindo mulheres), da "aprendizagem pela ação" (processo que envolve a implementação de atividades de AbE, juntamente com um programa prático de capacitação), da capacidade organizacional e dos processos de governança da comunidade e da microbacia. O que foi alcançado é o reflexo de um forte compromisso da comunidade graças à governança participativa.
Fatores facilitadores
- Os impactos relacionados às mudanças climáticas e, em particular, a disponibilidade de água, são fatores de preocupação para a maioria das partes interessadas das microbacias hidrográficas. Essa conscientização aumenta sua disposição de participar de processos de diálogo, aprendizado constante, busca de soluções e ações conjuntas. Em Esquichá, os eventos climáticos extremos dos anos anteriores afetaram fortemente várias comunidades, causando danos aos bens (por exemplo, colheitas, moradias, infraestrutura produtiva) e aos recursos hídricos.
Lição aprendida
- O Conselho da Microbacia do Rio Esquichá reúne: municípios, COCODEs (Conselhos de Desenvolvimento Comunitário), Comissões Comunais de Viveiros Florestais e representantes dos municípios. O compromisso de fortalecer essas estruturas comunitárias foi altamente eficaz, uma vez que a maior capacidade organizacional e a liderança feminina nas comunidades ajudaram a consolidar a governança do Conselho da Microbacia.
- O empoderamento das mulheres beneficia a gestão dos recursos naturais e a coesão social das comunidades. Na arena das Comissões Comunitárias de Viveiros Florestais, as mulheres sentiram que tinham muito a contribuir e, ao se apropriarem desses espaços, sua confiança para participar de outras estruturas também aumentou.
- As mulheres aprenderam que podem agir e que são atores-chave na promoção da restauração florestal para recarga de água. Elas aprenderam que a ação coletiva e a liderança são necessárias para ações em escala de restauração.
Obtenção de uma governança flexível para adaptação
As opções de governança e as respostas para a adaptação às mudanças climáticas são novas e devem estar em constante evolução; as decisões e o plano de governança precisam ser flexíveis; portanto, a adaptação deve avançar com uma abordagem flexível. Isso é possível com a aplicação de medidas de EbA com um "aprendizado pela prática", usando as melhores informações científicas disponíveis sobre cenários climáticos e informando instrumentos políticos locais e nacionais.
A vulnerabilidade climática em Esquichá foi avaliada com o uso da ferramenta CRiSTAL ("Community-basedRisk Screening Tool- Adaptationand Livelihoods").
Após um primeiro planejamento das atividades de EBA, as ações para integrar a flexibilidade foram:
- A avaliação periódica das ações de EBA em campo e a adoção de decisões de curto prazo
- Os resultados de monitoramento e avaliação serão fundamentais para incluir ajustes importantes
- Inclusão de medidas de AbE no Plano de Gerenciamento de Microbacias
- Avaliação das medidas para informar o Plano de Desenvolvimento do município.
- Informação dos resultados às autoridades competentes, como a prefeitura do Instituto Florestal (INAB). Isso levou o INAB a buscar ferramentas para melhorar a forma como os incentivos são atribuídos e para identificar as comunidades localizadas nas principais áreas de captação de água.
Fatores facilitadores
- Cresceu o interesse político em integrar a AbE e os critérios de segurança hídrica nos programas de incentivos florestais.
- Interesse político do município de Tacaná.
- Capacidade técnica do município de Tacaná.
Lição aprendida
- As informações devem integrar as ciências (físicas, biológicas, econômicas e sociais) com o conhecimento tradicional e indígena.
- A abordagem de "aprendizado pela ação" ou "aprender fazendo" é uma parte fundamental da obtenção de flexibilidade na governança da adaptação. Deve-se sempre buscar melhorias constantes e avaliar as práticas, estratégias e políticas que contribuem para aumentar a resiliência socioambiental. Como resultado dessa abordagem, os membros do Conselho da Microbacia do Rio Esquichá estão mais conscientes, por um lado, das estruturas legais e políticas que facilitam a governança multidimensional e a articulação necessária para lidar com as mudanças climáticas e, por outro, da necessidade de monitorar e avaliar, ao longo do tempo, os benefícios que os ecossistemas trazem para a adaptação e os meios de subsistência locais.
Recursos
Alcançando a abordagem ecossistêmica para adaptação
De acordo com uma abordagem de adaptação baseada em ecossistemas e uma visão de microbacia, os esforços em Esquichá se concentraram em melhorar os meios de subsistência e a resiliência do ecossistema para reduzir a vulnerabilidade às mudanças climáticas. Tempestades tropicais e furacões, como o Stand, afetaram as comunidades no passado (infraestrutura hídrica, erosão ou perda de fontes de água). A aplicação de uma abordagem ecossistêmica fez parte do fortalecimento da governança para a adaptação às mudanças climáticas na microbacia hidrográfica de Esquichá.
As medidas implementadas são
- proteção e recuperação de florestas em zonas de recarga de água. Por exemplo, a proteção de florestas de pinheiros(Abies guatemalensis) que abrigam fontes de água que abastecem as populações na parte inferior da microbacia.
- Restauração de terras degradadas e estabilização de encostas
- Implementação e otimização de sistemas agroflorestais.
Além disso, houve uma ampla aceitação da necessidade de uma abordagem mais integrada para o gerenciamento de recursos hídricos, em parte devido à escassez de água que as comunidades sofrem durante a estação seca e nas partes superiores da microbacia. O conceito de responsabilidade social ambiental também foi promovido entre as comunidades, por meio do qual as comunidades a montante tomam medidas que beneficiam as comunidades a jusante.
Fatores facilitadores
- A mudança climática e, em particular, a disponibilidade de água, são fatores de preocupação para a maioria das partes interessadas da microbacia hidrográfica, o que aumenta sua disposição de priorizar ações que favoreçam as zonas de recarga de água e a redução do risco de desastres. Em Esquichá, a ocorrência de eventos extremos nos anos anteriores afetou fortemente várias comunidades, causando danos aos bens (colheitas, moradias, infraestrutura produtiva) e aos recursos hídricos.
Lição aprendida
- Para comprovar a eficácia das medidas de AbE implementadas que contribuem para a resiliência das comunidades às mudanças climáticas e, assim, aumentar a confiança na estratégia adotada, a primeira etapa foi promover o reflorestamento nas partes superiores da microbacia (onde se encontram as fontes de água) ou em áreas afetadas por deslizamentos de terra, bem como o trabalho comunitário em torno de viveiros florestais. Essas ações ajudaram a consolidar o conceito de que a cobertura florestal é um "seguro coletivo" diante das mudanças climáticas.
- A valorização dos serviços ecossistêmicos da bacia ajudou a ver a adaptação como uma tarefa de todas as comunidades, uma forma de obter benefícios tanto para a microbacia de Esquichá quanto para outras comunidades localizadas mais abaixo na bacia do rio Coatán.
Impactos
- Os membros do Comitê da microbacia do rio Esquichá unem e coordenam esforços para realizar as tarefas administrativas e físicas necessárias para restaurar a cobertura florestal em áreas prioritárias de captação de água.
- As comunidades incorporam medidas de AbE no Plano de Gestão da microbacia.
- Com o apoio da Prefeitura de Tacaná, as comunidades influenciam os níveis mais altos (Conselhos Municipais e Departamentais, Instituto Nacional de Florestas -INAB) para a alocação de recursos financeiros. Elas têm acesso a incentivos florestais para a restauração de florestas afetadas por pragas localizadas em zonas de recarga de água.
- Alocação orçamentária da Prefeitura de Tacaná para projetos de restauração em zonas de recarga de água na microbacia hidrográfica de Esquichá e inclusão da AbE no Plano de Desenvolvimento Municipal atualizado.
- Por meio da Coordenadoria de Recursos Naturais e Meio Ambiente de San Marcos (CORNASAM), há maior coordenação entre as partes interessadas na bacia, incluindo ONGs que executam projetos na bacia do rio Coatán e em San Marcos.
- As lições são compartilhadas em escala nacional com o Ministério do Meio Ambiente e serão ampliadas com um projeto do GCF nas terras altas da Guatemala.
Beneficiários
- Direta: 16 comunidades indígenas do grupo étnico Mam, que vivem principalmente da agricultura de subsistência (~500 pessoas)
- Indireta: 2039 famílias na microbacia hidrográfica de Esquichá (~12125 habitantes)
- Município Tacaná
- Município San José de Ojetenam
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
História
"Antes, cada comunidade trabalhava por conta própria e em seu [próprio] espaço, agora estamos cientes de que trabalhando juntos obteremos melhores resultados; agora temos a participação de 16 comunidades nas reuniões do Conselho da Microbacia de Esquichá e, mais do que reuniões, realizamos ações conjuntas. Todo esse esforço se deve ao fato de que todos nós somos afetados pelas mudanças climáticas; não apenas uma comunidade... mas todas elas, como geadas fortes, ventos fortes, secas prolongadas, chuvas intensas, e perdemos colheitas, entre outras coisas.
Fomos bater nas portas de cada comunidade e pedir que nos acompanhassem às reuniões e recebemos uma resposta negativa, mas isso não nos desanimou. E agora estamos felizes com a grande participação que temos, ainda mais porque realizamos ações em conjunto com as comunidades e o que nos une é a água. Porque se as comunidades não cuidarem das partes altas, os afetados serão os da parte baixa. E ver nosso território como a microbacia hidrográfica de Esquichá nos ajudou a integrar os jovens e as mulheres.
Fomos reconhecidos pelo Ministério do Meio Ambiente (MARN) por sermos um dos Conselhos de Microbacias com os melhores resultados... devemos isso ao acompanhamento das instituições; por exemplo, antes cada instituição vinha por conta própria e tínhamos reuniões a todo momento porque elas vinham desorganizadas. Agora as coisas mudaram, em nossa reunião do Conselho temos representantes do município presentes, como a secretaria municipal de florestas, a secretaria da mulher, a secretaria municipal de água e saneamento e também organizações governamentais como o Instituto Nacional de Florestas, o Ministério da Agricultura, o MARN e outras como as Nações Unidas e a União Internacional para a Conservação da Natureza. Agora não nos sentimos sozinhos e nessas reuniões planejamos, gerenciamos e executamos projetos para o benefício de todas as comunidades.
Isso significou muito esforço, mas agora, para outras comunidades que nos visitam e conhecem nossa experiência, dizemos a elas o que [...] elas precisam fazer. Porque o que levou mais tempo para nós, eles podem reduzir.
Todo esse esforço abriu portas para nós em nível municipal (no município de Tacaná), em nível de departamento e em nível nacional... Tudo isso se reflete na conservação de nossos recursos naturais - água, solo e floresta - dentro da microbacia hidrográfica e tudo leva à adaptação às mudanças climáticas."
Sr. Roberto Escalante - Presidente do Conselho da Microbacia do Rio Esquichá