Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica do Brasil (PNAPO)
Desenvolvida como resultado de um intenso envolvimento da sociedade civil e estruturada em torno de sete diretrizes abrangentes que englobam os aspectos mais relevantes das cadeias e sistemas alimentares sustentáveis, a PNAPO é uma política-quadro federal única para o avanço da agroecologia e da produção orgânica no Brasil. Em seu primeiro ciclo de atividades, ela levou a resultados quantitativos impressionantes em termos de avanço da agenda agroecológica no país (em termos de orçamento e iniciativas), investindo mais de 364 milhões de euros, o que resultou em melhorias visíveis em larga escala para pequenos agricultores e grupos vulneráveis. Entre outros, construiu mais de 140.000 cisternas e ajudou 5.300 municípios a investir 30% ou mais de seus orçamentos de alimentação escolar em produtos orgânicos e agroecológicos adquiridos de agricultores familiares. Por suas realizações, o PNAPO do Brasil foi reconhecido com o Future Policy Silver Award 2018, concedido pelo World Future Council em parceria com a FAO e a IFOAM - Organics International.
Contexto
Desafios enfrentados
É digno de nota que os movimentos agroecológicos brasileiros abrangem atores de várias esferas da sociedade, como, por exemplo, jovens e mulheres camponesas, trabalhadores sem terra e comunidades tradicionais. Eles remontam ao movimento social da década de 1970 por uma agricultura alternativa, que foi um dos primeiros a abordar formalmente no país os problemas relacionados à degradação ambiental causada pela Revolução Verde e seus impactos na produção de alimentos. Esse movimento foi então fortalecido pela chegada ao Brasil de literatura científica específica sobre agroecologia e pela criação de algumas organizações, como a AS-PTA, a ANA e a ABA. Em meados da década de 1990, "o movimento agroecológico brasileiro teve avanços significativos, ganhando espaço entre os movimentos sociais, ONGs, instituições de ensino superior e de pesquisa, bem como em programas de assistência técnica e extensão rural". Assim, as demandas agroecológicas ganharam impulso no país nos últimos quinze anos.
Localização
Processar
Resumo do processo
O desenvolvimento de uma política-quadro pioneira em agroecologia (BB1) foi a base para a criação de instituições para a coordenação de medidas (BB2) e a implementação da política (BB3). Juntos, esses blocos construíram o potencial do PNAPO como um modelo transferível (BB4).
Blocos de construção
Desenvolvimento de uma política-quadro pioneira em agroecologia
A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) é uma política pública nacional pioneira em agroecologia no Brasil. Ela foi promulgada por meio de um processo participativo, no qual a sociedade civil desempenhou um papel fundamental e de liderança na promoção da agenda e na garantia de que algumas demandas relevantes fossem efetivamente incluídas no texto final da política.
Em 20 de agosto de 2012, a PNAPO foi adotada pela Presidente Dilma Rousseff, por meio do Decreto Federal nº 7.794. É relevante ressaltar que, no âmbito do Conselho Técnico de Orgânicos (CT-ORG), houve no início da década de 2010 uma proposta de criação de uma política nacional de agricultura orgânica. No entanto, com a decisão do Presidente de estabelecer uma política sobre agroecologia, ambas as questões foram incorporadas na mesma agenda.
Durante o processo de promulgação da política, os espaços mais relevantes para o diálogo entre o governo e a sociedade civil foram os cinco Seminários Regionais (de fevereiro a abril de 2012) e o Seminário Nacional (maio de 2012) intitulado "Por uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica", organizado conjuntamente pela ANA e pela ABA com o apoio do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Fatores facilitadores
Como resultado, a sociedade civil (agricultores, organizações da sociedade civil etc.) foi se articulando cada vez mais ao longo dos anos, graças aos Encontros Nacionais e ao Congresso Brasileiro de Agroecologia, e, finalmente, a ANA formulou o documento "Propostas da Articulação Nacional de Agroecologia para a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica".
Lição aprendida
Em 2012, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA)* encaminhou à Presidência da República a Exposição de Motivos nº 005-2012, apoiando a aprovação e a efetiva implementação da PNAPO. Diante de tudo isso, em maio de 2012, a reunião "Diálogos entre Governo e Sociedade Civil" foi realizada pelo Governo Federal para envolver a sociedade civil na elaboração da última versão do texto da PNAPO. É importante ressaltar que nem todas as prioridades e demandas da sociedade civil foram de fato incorporadas ao texto definitivo do Decreto nº 7.794. No entanto, a PNAPO ainda representou um marco nas políticas brasileiras de desenvolvimento rural e uma conquista dos movimentos sociais agroecológicos brasileiros. Em suma, a PNAPO estabeleceu, em nível nacional, um conjunto de disposições e diretrizes relativas à promoção da agroecologia, delineando um caminho jurídico e político para a promoção de sistemas de produção de alimentos mais sustentáveis, socialmente inclusivos e ambientalmente corretos no país.
* Infelizmente, o novo governo aboliu o CONSEA no início de 2019
Estabelecimento de instituições para a coordenação da implementação
Os responsáveis pela implementação da PNAPO são a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO) e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO):
A CIAPO é o órgão governamental composto por nove ministérios e seis agências estatais independentes convidadas. É coordenada pela Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (SEAD), que também fornece apoio técnico e administrativo. As atribuições do CIAPO são: construir e executar o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), coordenar os Órgãos e Entidades Governamentais comprometidos com a implementação do PNAPO, promover a articulação entre e com os Órgãos Estaduais, Distritais e Municipais e prestar contas ao CNAPO sobre o monitoramento do PLANAPO.
O CNAPO, por outro lado, representa o elo entre o governo e a sociedade civil. Ele é composto por quatorze representantes da administração pública e quatorze representantes de organizações da sociedade civil, cada um com um representante suplente designado. É coordenado pela Secretaria de Governo da Presidência da República (Segov), por meio da Secretaria Nacional de Articulação Social (SNAS), que também fornece apoio técnico e administrativo.
Fatores facilitadores
Como o objetivo geral da PNAPO é integrar e articular políticas, programas e ações para a promoção da transição agroecológica, o fato de ser governada pela Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO) e pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) é um fator-chave de sucesso. Nesta última, 50% são representantes da sociedade civil.
Lição aprendida
Atualmente, o Brasil enfrenta uma situação política e econômica bastante complexa. O segundo ciclo da PNAPO, PLANAPO 2016-2019, ainda está em andamento, mas, devido à turbulência política no país e a uma grave crise econômica (2014-2016), enfrenta cortes drásticos no orçamento que dificultam sua implementação. No entanto, muito foi alcançado e os órgãos da PNAPO continuaram trabalhando e garantiram algum financiamento.
Além dos problemas mencionados acima, o atual presidente Bolsonaro e seu governo têm tomado decisões controversas em relação ao meio ambiente/setor de alimentos e aprovado vários pesticidas altamente tóxicos. Decisões que não estão de acordo com os objetivos da PNAPO.
Implementação do PNAPO
A Política Nacional (PNAPO) vem sendo implementada no Brasil desde 2012, com o objetivo de fomentar práticas agrícolas sustentáveis e hábitos saudáveis de consumo de alimentos; empoderar agricultores familiares, comunidades tradicionais, mulheres e jovens; e promover o desenvolvimento rural sustentável por meio de programas e financiamentos específicos para a agricultura familiar. Trata-se de uma política interdisciplinar multissetorial e multissetorial em nível federal, cujas iniciativas foram implementadas nas cinco regiões brasileiras, com resultados verificáveis.
Alguns programas e iniciativas atualmente incluídos no carro-chefe da PNAPO já existiam antes de sua criação. No entanto, com o estabelecimento da política e a criação do CNAPO, esses programas foram estrategicamente articulados e integrados aos objetivos gerais e ao plano de trabalho da PNAPO, garantindo processos de planejamento, implementação e monitoramento mais participativos.
Um dos principais instrumentos da PNAPO é o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), que deve sempre conter, no mínimo, os seguintes elementos: visão geral/diagnóstico, estratégias e metas, programas, projetos, ações, indicadores, prazos e estrutura de gestão (artigo 5º do Decreto Federal nº 7.794).
Fatores facilitadores
As principais metas e iniciativas do PLANAPO são fortalecer as redes de produção agroecológica e orgânica, aumentar a oferta de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), com foco em práticas agroecológicas; ampliar o acesso à água e às sementes, fortalecer as compras governamentais de produtos, aumentar o acesso dos consumidores a alimentos saudáveis, sem o uso de agrotóxicos ou transgênicos na produção agrícola, fortalecendo assim o valor econômico das famílias agricultoras. A PLANAPO também busca ampliar o acesso à terra.
Lição aprendida
Apesar de "as propostas da sociedade civil não terem sido totalmente incluídas na versão final do PLANAPO, há um consenso geral sobre o fato de que o Plano marca um momento histórico, um passo importante na direção de uma agricultura camponesa mais sustentável, especialmente em um país como o Brasil, onde o modelo do agronegócio ainda continua a manter uma grande influência sobre as políticas governamentais, devido à sua importância econômica".
De acordo com a ANA, há vários pontos positivos a serem destacados no primeiro PLANAPO (2013-2015). Entre os aspectos positivos estão as ações que tiveram orçamento para implementação e que contribuíram de forma importante para o avanço da agroecologia. Entre os aspectos negativos do primeiro PLANAPO estão o orçamento muito pequeno para políticas como o Programa Ecoforte e a Assistência Técnica e Extensão Rural.
Potencial como modelo transferível
De acordo com Costa et al, "o Brasil foi o primeiro país do mundo a implementar uma Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica". Portanto, é digno de nota o fato de que a Política foi amplamente implementada no país, tendo sucesso como um bom exemplo de política pública multissetorial, apesar dos desafios que ainda enfrenta. Além disso, a PNAPO serviu de inspiração para que os Estados brasileiros (como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás, São Paulo e Amazonas), o Distrito Federal e os Municípios elaborassem suas próprias políticas estaduais e municipais, seguindo as diretrizes da Política Nacional e adaptando-as às suas próprias realidades e necessidades. Portanto, é provável que a PNAPO seja adequada para ser transferida para outras situações.
Fatores facilitadores
De fato, houve muitos intercâmbios com outros países da América Latina, graças à (e dentro da) REAF - Rede Especializada da Agricultura Familiar. Nesse contexto, várias das estratégias, iniciativas e programas estabelecidos e desenvolvidos no âmbito do PNAPO, como o Programa Segunda Água e as chamadas públicas de ATER, são altamente transferíveis para outros países com características e problemas comuns, com ênfase naqueles do sul global com grandes áreas agrícolas.
Lição aprendida
Em particular, o Programa Nacional de Alimentação Escolar do Brasil foi reconhecido por vários atores (PNUD, PMA, FAO) e despertou o interesse de governos da Ásia, África e América Latina.
Impactos
O PLANAPO levou a resultados quantitativos impressionantes em termos de avanço da agenda agroecológica no Brasil. Entre os inúmeros resultados importantes do PLANAPO 2013-2015 e do PNAPO, podemos destacar a construção de 143.000 cisternas (a meta inicial era de 60.000); a assistência a 5.300 municípios para que gastem 30% ou mais do orçamento do programa de merenda escolar na compra de produtos orgânicos e agroecológicos de agricultores familiares (alguns municípios chegam a atingir 100%); a assistência a 393 organizações rurais de agricultura familiar; o lançamento de várias chamadas públicas que permitiram às organizações agroecológicas ampliar seus quadros em uma escala sem precedentes, beneficiando cerca de 132.744 famílias de agricultores; treinou 7.722 técnicos (a meta inicial era de 2.000) e 52.779 agricultores (um terço da meta inicial de 182.000); promoveu 24 redes de agroecologia; treinou 960 profissionais e líderes políticos sobre o financiamento de mulheres na agricultura orgânica e agroecológica, o que beneficiou 5.200 mulheres rurais em 20 estados brasileiros diferentes; apoiou 556 redes de mulheres, beneficiando 5.566 mulheres rurais; adaptou 600 bancos de sementes nativas às condições do semiárido e treinou mais de 12.000 famílias de agricultores; e financiou nove projetos de sementes para agroecologia.
Beneficiários
O PLANAPO levou a resultados quantitativos impressionantes em termos de avanço da agenda agroecológica e provavelmente melhorou a vida de milhões de pessoas, ou seja, construiu 143.000 cisternas, ajudou 5.300 municípios e treinou 200.000 agricultores.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
História
Eu sou Emerson Giacomelli. Sou um dos camponeses assentados pela política de Reforma Agrária do Brasil no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita. O município faz parte da região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
Sou filho de pequenos agricultores de Ronda Alta, na região norte do Rio Grande do Sul. Conheci o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em 1985, quando eles ocuparam a antiga Fazenda Annoni, que é um símbolo da luta pela terra em meu país. Por acreditar nessa luta, acampei em 1989 e, cinco anos depois, fui assentada.
Hoje, sou presidente da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados de Porto Alegre (COOTAP) e coordeno o Grupo de Manejo do Arroz Agroecológico, que reúne 363 famílias do MST. Em 2019, estimamos colher aproximadamente 16 mil toneladas de arroz orgânico, em uma área de 3.433 hectares, em 13 assentamentos e 15 municípios. Esses dados colocam o MST como o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.
Os processos produtivos, industriais e comerciais são coordenados pela COOTAP. Trabalhamos com diferentes cooperativas, como a Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (COOPAN), a Cooperativa de Agropecuária de Assentados de Tapes (COOPAT), entre outras.
A Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) foi fundamental para o desenvolvimento do nosso projeto, pois acessamos o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), além de outras agroindústrias. Conseguimos planejar a produção, possibilitar a permanência das famílias no campo com trabalho e renda, garantir a comercialização dos produtos e adquirir conhecimento para melhorar a relação entre produtor e consumidor.
Vendemos arroz em vários estados do Brasil e exportamos desde 2008 para vários países. Agora estamos buscando novos mercados na Grécia, Portugal, Espanha, Holanda, Emirados Árabes Unidos, China, Haiti, Jamaica, Costa Rica, entre outros lugares.Porém, com o atual governo federal, estamos preocupados com a possibilidade de extermínio desses programas que nos ajudaram a desenvolver um novo tipo de agricultura que respeita o solo, a água, o ar e todas as formas de vida. O PAA foi enfraquecido e tememos que o PNAE tenha o mesmo destino. O fim deles representa menos renda, trabalho, desenvolvimento, qualidade de vida e resultará, é claro, em mais migração para as grandes cidades.