Três fatores de sucesso para a conservação da Bacia do Rio Negro na Amazônia brasileira: Governança e participação, alianças público-privadas e mosaicos de conservação

Solução completa
Unini RESEX
Fabiano Silva

Essa solução promove a participação local, para garantir o acesso aos recursos naturais na zona adjacente ao Parque Nacional do Jaú. Isso, aliado à aplicação de uma abordagem de mosaico de conservação, para consolidar um território protegido mais extenso; e a inclusão do Parque em um Programa Estadual para a conservação de florestas tropicais, com financiamento público, privado e internacional, foram fatores-chave para a conservação da bacia do rio Negro da Amazônia.

Última atualização: 05 Oct 2020
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Contexto
Desafios enfrentados
Usos conflitantes / impactos cumulativos
Colheita insustentável, incluindo a pesca excessiva
Extração de recursos físicos
Mudanças no contexto sociocultural
Governança e participação deficientes

O Parque Nacional do Jaú enfrentou o desafio de fortes conflitos socioambientais devido à sua criação como uma categoria de manejo de área de proteção rigorosa em um território com presença histórica de comunidades locais e afrodescendentes. Historicamente, o Jaú e o Unini foram dois dos rios mais produtivos do Rio Negro. Ambos eram fontes de produção de alimentos autossustentáveis, mas desde a primeira ocupação jesuíta no Rio Negro, as atividades de pesca, agricultura de pequena escala e extração de recursos florestais aumentaram. Além disso, a categoria de proteção estrita desse Parque Nacional não permite que ele tenha população humana, e o governo realizou desapropriações de pessoas que vivem em Jaú, limitando os direitos de uso de seus recursos.

Escala de implementação
Local
Subnacional
Nacional
Ecossistemas
Área úmida (pântano, brejo, turfa)
Tema
Acesso e compartilhamento de benefícios
Fragmentação e degradação do habitat
Conectividade/conservação transfronteiriça
Governança de áreas protegidas e conservadas
Atores locais
Planejamento do gerenciamento de áreas protegidas e conservadas
Patrimônio Mundial
Localização
Parque Nacional do Jaú, Novo Airão - Estado do Amazonas, Brasil
América do Sul
Processar
Resumo do processo

Após a promulgação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, e com o apoio técnico e financeiro de organizações locais como a Fundação Vitória Amazônica (FVA) e o Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), a RESEX do Rio Unini foi criada por solicitação das comunidades locais. Para tanto, a FVA proporcionou um espaço de troca de conhecimentos entre outras reservas extrativistas e as comunidades do Rio Unini, dando suporte para a criação da Associação de Moradores do Rio Unini (AMORU). Esta, por sua vez, após um processo de consulta pública, fez a solicitação formal para a criação da RESEX do Rio Unini. O apoio do FVA também contribuiu para o fortalecimento da capacidade organizacional e local para o uso sustentável dos recursos naturais e o desenvolvimento local. Como consequência, a governança e a participação dos atores locais nos processos de tomada de decisão dentro das unidades de conservação estão melhorando, o que é a base para uma gestão eficiente das áreas protegidas e para a implementação de uma abordagem de mosaico de conservação que as integre como unidades em um território maior.

Blocos de construção
Participação local para garantir o acesso aos recursos naturais e à posse da terra

Em 1979, a área atualmente ocupada pelo Parque Nacional do Jaú foi proposta como Reserva Biológica, uma categoria de manejo restritiva à exploração de recursos naturais no Brasil. Em 1980, o Parque Nacional do Jaú foi criado e, desde então, tem o desafio de administrar o alto nível de conflito socioambiental na área.

A Fundação Vitória Amazônica (FVA), presente na área desde 1991, aplicou metodologias inovadoras e participativas de mapeamento do uso dos recursos naturais, que serviram de base para o desenvolvimento de seu zoneamento e Plano de Manejo, entre 1996 e 1998, dentro de um contrato de cogestão com o Governo Federal do Brasil. Anos depois, o Brasil criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e desenvolveu ferramentas para a construção de processos participativos. Como resultado, a FVA, como instituição colaboradora técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), prestou apoio às comunidades locais durante a criação da Reserva Extrativista do Rio Unini (RESEX), em um processo que durou até 2006, com a intenção de garantir o acesso aos recursos naturais e à posse da terra para as populações dos rios Jaú e Unini.

Fatores facilitadores
  • Criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
  • Promoção da participação social na gestão das unidades de conservação (UC).
  • Desenvolvimento de ferramentas para gestão de conflitos socioambientais.
  • Apoio técnico e financeiro para processos de capacitação entre gestores de áreas protegidas e representantes locais.
  • Criação da Associação de Moradores do Rio Unini (AMORU) para a criação da RESEX do Rio Unini.
Lição aprendida

A criação da RESEX do Rio Unini exigiu um processo participativo que permitiu negociar e definir com as comunidades locais um conjunto de condições favoráveis para possibilitar a elaboração e a aplicação de mecanismos de consulta, o zoneamento do uso dos recursos naturais e a criação de órgãos participativos, como o Conselho Deliberativo da RESEX, em 2008.

O primeiro passo foi a criação da AMORU, que, por sua vez, fez a solicitação formal para a criação da RESEX. Depois disso, foi desenvolvido um processo de consulta pública nas comunidades locais, para embasar a criação da Reserva. Uma vez criada a reserva, o Instituto Chico Méndez de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), instituição vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, juntamente com a FVA, iniciou os processos de gestão. Entre eles, a formação do Conselho Deliberativo, integrado por representantes de órgãos governamentais, organizações da sociedade civil e população local representativa da área.

Governança e participação de atores locais na gestão e no uso de recursos naturais

Por meio do processo de criação da Reserva Extrativista do Rio Unini (RESEX) e no âmbito do contrato de cogestão do Parque Nacional do Jaú, a FVA implementou metodologias inovadoras e participativas de mapeamento para o uso dos recursos naturais e vem investindo em um processo de fortalecimento da capacidade organizacional e local para o uso sustentável dos recursos naturais. Entre eles está o desenvolvimento e a implementação de uma metodologia para o uso de recursos naturais (SIMUR) no rio Unini. Isso serviu de insumo para um processo em 2008, após a criação da RESEX, com o desenvolvimento e a implementação de "Termos de Compromisso" com as comunidades locais do Rio Unini. Esses documentos representam uma série de acordos entre as seis comunidades que vivem ao longo do Rio Unini no Parque Nacional do Jaú e o Governo do Brasil. O objetivo desses acordos era regulamentar sua permanência no Parque e estabelecer um processo de cogestão com a população local e a administração do Parque. Como resultado, a participação da comunidade nos processos de tomada de decisão em ambas as unidades de conservação (Parque Nacional do Jaú e RESEX do Rio Unini) foi e é fundamental para o gerenciamento eficiente das duas áreas.

Fatores facilitadores
  • Desenvolvimento de ferramentas voltadas para a gestão de conflitos socioambientais.
  • Promoção da participação social na gestão das unidades de conservação.
  • Zoneamento de uso e exploração da área protegida estabelecido com três categorias distintas e implementado no território graças a um processo participativo robusto.
  • Criação da Cooperativa Agrícola Extrativista Mista do Rio Unini (COOMARU) para o uso de recursos naturais.
Lição aprendida

Diferentes processos de planejamento para a gestão de ambas as unidades de conservação permitiram avançar no fortalecimento da capacidade organizacional e local para o desenvolvimento de atividades econômicas. Por exemplo, foi criada a COOMARU, dedicada ao comércio justo de nozes brasileiras e ao desenvolvimento de infraestrutura básica para armazenar e beneficiar os produtores agrícolas extrativistas. Além disso, os moradores locais são a principal fonte de informações sobre o uso dos recursos naturais. Portanto, os programas e projetos que promovem a participação da comunidade na coleta, sistematização, armazenamento e análise de dados têm o potencial de transformar o processo de gestão das unidades de conservação, pois organizam e classificam as informações sobre as atividades de produção e subsistência dentro e no entorno dessas áreas. Dessa forma, a dinâmica de capacitação de monitores comunitários e moradores contribui para a formação de lideranças comunitárias responsáveis pela gestão da área protegida.

Recursos
ARPA: o mais importante programa de conservação de florestas tropicais do Brasil e mecanismos de sustentabilidade financeira do Parque Nacional do Jaú

O Parque Nacional do Jaú representa uma das maiores extensões de florestas tropicais protegidas do mundo, protegendo uma grande extensão da bacia do rio Águas Negras. Devido à sua importância, essa área protegida foi priorizada pelo Programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), um programa criado em 2002 pelo governo brasileiro e gerenciado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

O programa ARPA conta com o apoio financeiro do Global Environment Facility (GEF), do governo alemão, do World Wildlife Fund (WWF), do Fundo Amazônia, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Fundação Moore e, atualmente, de empresas privadas que atuam como doadoras do programa. O programa foi concebido para durar 13 anos e tem como objetivo ampliar e fortalecer o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Amazônia, por meio da proteção de 60 milhões de hectares de unidades de conservação no bioma amazônico e da garantia de recursos financeiros para a gestão dessas áreas no curto e no longo prazo. Ele é implementado em três fases independentes e contínuas: Fase I, entre 2003 e 2010, Fase II, entre 2010 e 2015, e Fase III, com prazo de 25 anos.

Fatores facilitadores
  • Contexto nacional de maior preocupação com a preservação da região amazônica e com o desenvolvimento sustentável, com o reconhecimento mundial da importância das florestas tropicais.
  • Elaboração de políticas públicas regionais para a conservação e o uso sustentável das florestas tropicais.
  • Orçamento do Programa ARPA para 2003-2015, de 236 milhões de dólares.
Lição aprendida

A inclusão do Parque Nacional do Jaú no programa ARPA foi uma estratégia essencial para sua conservação, uma vez que o ARPA é um dos maiores programas do mundo para a conservação de florestas tropicais, implementando um modelo que garante a captação e aplicação rápida e eficaz de recursos financeiros.

Durante a Fase I, o ARPA foi dedicado à criação de novas áreas protegidas. Na Fase II, seu foco foi a consolidação do programa. A Fase III tem como objetivo consolidar 60 milhões de hectares de áreas protegidas na Amazônia, em nível federal e nacional, e alcançar a sustentabilidade financeira.

O apoio do ARPA possibilitou a criação da RESEX do Rio Unini, consolidando a RESEX e o Parque Nacional do Jaú por meio do financiamento de projetos que possibilitaram a geração de valor de conservação e o aumento da renda financeira das comunidades locais. Isso contribui para a sustentabilidade de ambas as unidades de conservação em nível social, financeiro e de gestão.

Mosaicos de conservação: uma estratégia eficaz para consolidar grandes extensões de território protegido no Brasil

A Lei do Sistema Nacional de Áreas Protegidas, promulgada em julho de 2000, estabeleceu a Abordagem de Mosaico de Conservação. Mosaicos são um "conjunto de Unidades de Conservação (UC) de categoria igual ou diferente, próximas, contíguas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas" que são gerenciadas de forma integrada, de acordo com os objetivos de cada UC.

Para enfrentar o desafio de gerenciar conflitos socioambientais e otimizar recursos humanos, financeiros e materiais, foi criado em 2010 o Mosaico de Conservação do Baixo Rio Negro, com uma área total de 7.329.220 hectares, integrado por 11 UCs, entre elas o Parque Nacional do Jaú e a RESEX Unini. A implementação dessa abordagem prioriza processos de conservação para áreas maiores, o que permite o gerenciamento integrado da paisagem de áreas ao longo dos rios Jaú e Unini, ao norte, e do Baixo Rio Negro, ao sul do mosaico. Ao considerar as áreas protegidas como partes de uma unidade maior, funcional e interconectada, foi necessário incluir uma metodologia participativa na elaboração dos planos de manejo, que incentivou a participação de vários atores no processo de tomada de decisões relacionadas à administração do território e de seus recursos naturais.

Fatores facilitadores
  • A abordagem de gestão do Mosaico de Conservação permite a integração de vários atores e oportunidades de assistência técnica e financeira para a gestão territorial.
  • Ligação de esforços em áreas com uma identidade territorial compartilhada, para atingir uma meta comum de conservação e gestão sustentável dos recursos naturais.
  • Institucionalização de um Conselho Consultivo como uma força mobilizadora na área.
  • Planejamento de estratégias em escala de paisagem.
Lição aprendida

Os principais elementos para o gerenciamento integrado da paisagem incluíram a implementação de um Plano de Ação para o mosaico, a criação de um Conselho Consultivo para apoiar a tomada de decisões, o desenvolvimento de metodologias participativas para o zoneamento de áreas de uso comunitário e de subsistência e o fortalecimento das capacidades locais por meio de processos de treinamento para o gerenciamento de recursos naturais, agricultura sustentável, turismo e direitos e obrigações das comunidades locais.

Os benefícios da gestão integrada são: otimização dos recursos; planejamento integrado da paisagem; coordenação das atividades de proteção; educação, monitoramento e conscientização ambiental na região; possibilidade de desenvolver uma identidade territorial integrada com base nas características da região; desenvolvimento de estratégias unificadas para a valorização dos produtos para as comunidades no entorno e dentro das unidades de conservação; e facilitação de acordos e resolução de conflitos.

Impactos
  • A criação da Reserva Extrativista do Rio Unini como resultado de um processo de consulta pública, com a participação das comunidades locais.
  • A criação de uma metodologia inovadora de mapeamento e zoneamento de uso que permitiu trabalhar com pessoas com diferentes níveis de analfabetismo.
  • O fortalecimento de organizações e capacidades locais para permitir que as comunidades locais desenvolvam atividades produtivas alternativas.
  • Os projetos de desenvolvimento local e gestão de recursos naturais nas comunidades contribuem para uma melhor compreensão das estratégias de gestão de áreas protegidas, o que tem um impacto positivo na capacidade de negociação das comunidades locais.
  • A consolidação do Parque Nacional do Jaú e da Reserva Extrativista do Rio Unini como condutores participativos na elaboração de planos de gestão e no planejamento do uso da terra.
  • A inclusão de ambas as áreas protegidas no Mosaico de Conservação do Baixo Rio Negro.
  • Gestão e planejamento integrados da paisagem, o que permite a otimização de recursos e a coordenação de atividades de proteção, educação ambiental, monitoramento e campanhas de conscientização na região.
  • Trabalho sob uma identidade territorial consolidada, com base nas características da região, o que permitiu a integração de múltiplos fatores e a geração de melhores oportunidades de apoio técnico e financeiro para a gestão territorial.
Beneficiários

O rio Unini tem dez comunidades e aproximadamente 186 famílias dedicadas à pesca e à agricultura familiar. Três dessas comunidades estão localizadas dentro da RESEX e seis no Parque Nacional.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
ODS 3 - Boa saúde e bem-estar
ODS 11 - Cidades e comunidades sustentáveis
ODS 15 - Vida na terra
História
Fabiano Silva
Fabiano Silva, Coordenador Ejecutivo Fundación Victoria Amazónica
Fabiano Silva

"A Fundação Vitória Amazônica (FVA) começou a trabalhar no Parque Nacional do Jaú em 1991, dez anos após a criação do parque. Durante os primeiros anos, desenvolvemos um processo de mapeamento de pesquisas sobre o uso dos recursos naturais pelas comunidades locais e elaboramos o Plano de Manejo do Parque, dentro de um contrato de cogestão com o Governo Federal, durante os anos de 1996 e 1998. Alguns anos após a conclusão do Plano de Manejo, iniciamos o processo de criação da Unidade de Conservação (a Reserva Extrativista do Rio Unini), em um processo que se estendeu até 2006, o que ajudou as comunidades que vivem no Rio Unini a terem seus direitos de acesso à terra e aos recursos naturais garantidos.

Após a criação da RESEX do Rio Unini, o ICMBio iniciou os processos de gestão, ou seja, a elaboração do Plano de Manejo e a criação do Conselho Deliberativo da unidade, com o apoio da FVA como aliada técnica do ICMBio e das comunidades locais. Atualmente, implementamos um sistema de monitoramento dos recursos naturais que atende a dois objetivos. Um, que as comunidades locais conheçam sua própria dinâmica de uso dos recursos naturais para que possam alcançar um nível mais alto de autonomia de gestão. O outro, proporcionar ao Governo Federal um melhor conhecimento sobre o uso dos recursos para a gestão do Parque e da biodiversidade. Além disso, também iniciamos uma série de projetos para beneficiar as comunidades. Por exemplo, a produção de castanhas, o manejo da pesca ornamental, produtos agrícolas e serviços turísticos.

Um dos maiores problemas que enfrentamos nos últimos 15 anos foi a falta de pessoal nas áreas protegidas e sua rotatividade esporádica, o que faz com que os procedimentos existentes sejam interrompidos. Esse tem sido o caso principalmente do Parque do Jaú, pois a RESEX tem sido muito mais estável. É nessa área que a Fundação contribui, permitindo que alguns dos processos trabalhem com maior independência do governo e continuem funcionando graças à nossa cooperação, de modo que o nível de constância nos complexos processos de pesquisa, organização social e desenvolvimento econômico possa ser mantido. Paralelamente a essa cooperação, realizamos um trabalho de captação de recursos que permite manter um investimento constante nos processos e na articulação das comunidades dentro da área protegida, bem como o trabalho de pesquisa que desenvolvemos com as comunidades."

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Outros colaboradores
Fabiano Silva
Fundação Vitória Amazônica
Marco Pinheiro
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
Mariana Macedo Leitão
Parque Nacional do Jaú