Estabelecendo a base para o Planejamento Espacial Marinho nos Açores por meio de um processo participativo

Solução completa
Paisagem marítima da ilha de São Miguel
Mario Caña

No meio do Atlântico Norte estão os Açores, um arquipélago de nove ilhas. Apesar de seu pequeno tamanho, o espaço marítimo circundante das ilhas representa quase 1 milhão de quilômetros quadrados. De acordo com as estruturas legais da União Europeia (UE) e de Portugal para o Planejamento do Espaço Marítimo (MSP), a região autônoma dos Açores, liderada pela Direção Regional de Assuntos do Mar (DRAM), deve desenvolver seu Plano de Situação. O projeto de Planejamento Espacial Marítimo da Macaronésia (MarSP) foi criado para apoiar o desenvolvimento dos planos espaciais marítimos nos arquipélagos da região da Macaronésia (Açores, Ilhas Canárias e Madeira). Esse projeto piloto desenvolveu capacidades e ferramentas para implementar o MSP nessas regiões ultraperiféricas da UE de 2018 a 2019. A equipe dos Açores desenvolveu metodologias inovadoras para abordar as etapas iniciais do processo de planejamento, em que a participação das partes interessadas e dos cidadãos teve um papel central.

Última atualização: 22 Feb 2021
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Contexto
Desafios enfrentados
Aumento das temperaturas
Perda de biodiversidade
Aquecimento e acidificação dos oceanos
Aumento do nível do mar
Ciclones tropicais / tufões
Usos conflitantes / impactos cumulativos
Erosão
Perda de ecossistema
Espécies invasoras
Poluição (inclusive eutrofização e lixo)
Colheita insustentável, incluindo a pesca excessiva
Gerenciamento ineficiente dos recursos financeiros
Extração de recursos físicos
Mudanças no contexto sociocultural
Falta de capacidade técnica
Falta de conscientização do público e dos tomadores de decisão
Monitoramento e aplicação deficientes
Falta de infraestrutura
Desemprego / pobreza
  • As 9 ilhas do arquipélago estão espalhadas por uma área de aproximadamente 600 quilômetros. Isso significa que há um vasto espaço marítimo de quase 1 milhão de km2 a ser planejado, gerenciado e pesquisado.
  • A localização remota do arquipélago dos Açores, no meio do Atlântico Norte, determina seu isolamento geográfico. Isso, juntamente com o pequeno tamanho das ilhas, aumenta sua dependência do mar e das atividades marítimas, o que leva a conflitos entre os setores, especialmente nas áreas costeiras.
  • Recursos humanos e financeiros limitados para desenvolver um processo inclusivo de envolvimento das partes interessadas nas nove ilhas.
  • Garantir a participação e a representatividade das partes interessadas em cada setor marítimo.
  • Atingir o equilíbrio entre atender às necessidades da estrutura política do MSP e os requisitos do projeto da UE (por exemplo, relatórios em português versus inglês).
Escala de implementação
Local
Subnacional
Multinacional
Ecossistemas
Mar profundo
Mar aberto
Recife rochoso / costão rochoso
Montanha submarina / cordilheira oceânica
Tema
Estruturas jurídicas e políticas
Ilhas
Atores locais
Conhecimento tradicional
Gerenciamento espacial costeiro e marinho
Cultura
Extrativos
Pesca e aquicultura
Turismo
Transporte
Não listado
Localização
Açores
Europa Ocidental e do Sul
Processar
Resumo do processo

O building block 1 (BB1) interage com todos os outros blocos. O processo de engajamento das partes interessadas foi crucial para validar as diferentes etapas e resultados do projeto, mas também para coletar novos dados e informações. Após a validação da visão e dos objetivos (bloco de construção 2 - BB2), os resultados foram usados para criar os cenários de desenvolvimento para os Açores (bloco de construção 3 - BB3). O bloco de construção 4 (BB4), que inclui a análise dos setores marítimos, foi alimentado com os resultados do processo participativo e da revisão da literatura. O bloco de construção 5 (BB5) integra os dados geoespacializados coletados e validados ao longo do processo participativo (workshops com as partes interessadas e entrevistas individuais).

Blocos de construção
BB1. Organização do envolvimento das partes interessadas e da participação pública

O Plano Espacial Marítimo dos Açores foi elaborado em um processo transparente e inclusivo, com o envolvimento ativo de uma ampla gama de partes interessadas. Para tanto, foram elaboradas uma estratégia para o envolvimento das partes interessadas e diretrizes para a participação pública. O envolvimento foi concebido em uma série de três workshops para as partes interessadas, realizados simultaneamente nas três ilhas mais populosas do arquipélago (São Miguel, Terceira e Faial). Os workshops tiveram a mesma estrutura, que combinou a comunicação sobre o progresso do MSP e atividades para discutir, complementar e validar os resultados do projeto. Antes dos workshops, as partes interessadas foram mapeadas usando a técnica de bola de neve. Todas as partes interessadas identificadas foram reunidas no diretório regional de partes interessadas e convidadas a participar dos eventos durante os dois anos do projeto. Atividades complementares, como entrevistas, foram realizadas para preencher importantes lacunas de conhecimento relacionadas a setores marítimos específicos.

Fatores facilitadores
  • Planejamento e realização de um processo participativo transparente e inclusivo.
  • Ampla cobertura de todo o arquipélago, permitindo a participação das partes interessadas das nove ilhas.
  • Organização e coordenação oportunas entre os membros da equipe, permitindo a comunicação e o intercâmbio entre os workshops simultâneos nas três ilhas.
  • Colaboração de colegas e voluntários para apoiar e moderar os workshops.
  • Comunicar e dar feedback às partes interessadas sobre os resultados dos workshops.
Lição aprendida
  • As partes interessadas precisam ser contatadas com bastante antecedência para obter uma boa resposta.
  • Uma boa coordenação e organização entre os membros da equipe e na preparação dos materiais é essencial para a implementação oportuna das atividades do workshop.
  • O desenvolvimento de ferramentas de visualização poderia ajudar a reduzir a pegada ecológica desse tipo de workshop (a maioria dos materiais era de papel) e diminuir o tempo gasto na organização dos materiais.
  • A falta de dados; a multiplicidade de sistemas de referência ou sua inexistência; as informações dispersas em termos de entidades responsáveis e tipos de dados (digitais, analógicos etc.) afetaram o desenvolvimento de materiais.
  • Grande carga de trabalho para tentar padronizar todas as informações a fim de poder usá-las em um sistema GIS.
  • As entidades levam muito tempo para coletar e disponibilizar as informações, o que dificulta o trabalho da equipe.
BB2. Criação de uma visão e de objetivos para a MSP

Definir uma visão e objetivos é uma etapa inicial fundamental em todos os planos espaciais marítimos. No âmbito do projeto MarSP, foi criada uma metodologia para desenvolver os objetivos do MSP. Essa metodologia vinculou os objetivos do MSP aos compromissos políticos estabelecidos por esses arquipélagos nos níveis internacional, da UE, nacional e regional. Ela foi adotada nos Açores após essas fases:

  1. Revisão da política: revisão da política marinha para determinar os objetivos que visam o espaço marítimo. O horendograma da política portuguesa ajudou na seleção das políticas.
  2. Classificação temática dos objetivos por temas e subtemas.
  3. Generalização dos objetivos por subtemas para obter objetivos específicos.
  4. Discussão, priorização e validação de objetivos específicos pelas partes interessadas.
  5. Validação jurídica e verificação cruzada com os documentos de política do PEM para finalizar os objetivos do PEM.

Durante o primeiro workshop de partes interessadas do PEM nos Açores, foi solicitado às partes interessadas que discutissem e validassem os objetivos específicos. Esse também foi o caso da proposta de uma visão regional do PEM, também discutida e validada no workshop das partes interessadas.

Fatores facilitadores
  • A validação dos objetivos pelas partes interessadas foi incluída na metodologia desde seu início para garantir a abordagem participativa e a aceitação social.
  • As metodologias precisam ser adequadamente comunicadas para garantir a compreensão dos métodos científicos pelas partes interessadas. Uma breve comunicação sobre a metodologia foi feita antes da participação das partes interessadas.
  • A discussão dos objetivos permitiu a inclusão das contribuições das partes interessadas.
  • As atividades com as partes interessadas precisam de orientação para facilitar uma discussão tranquila e resultados aceitáveis.
Lição aprendida
  • A revisão de várias políticas marinhas em diferentes níveis geográficos resulta em vários objetivos para o espaço marítimo. Isso pode dificultar a tarefa de alcançar os objetivos do MSP.
  • A análise de todos os compromissos políticos é muito abrangente e exige a priorização das políticas mais significativas. Foram selecionadas as políticas mais significativas em cada escala geográfica.
  • Após as contribuições e a validação das partes interessadas, houve uma fase final de verificação cruzada dos objetivos resultantes com a política do MSP. Isso permitiu tanto a validação legal das contribuições fornecidas pelas partes interessadas quanto a garantia de sua conformidade com as obrigações legais estabelecidas pela política do MSP.
  • Certos objetivos vão além do escopo legal do MSP (por exemplo, alguns objetivos setoriais). Apesar de não estarem incluídos na lista de objetivos do MSP, eles foram considerados no âmbito desta política.
  • A obtenção de objetivos SMART (Specific, Measurable, Achievable, Realistic, Time-bound) exige um compromisso firme na definição do prazo para os objetivos.
BB3. Construindo cenários para MSP

O processo de Planejamento Espacial Marítimo planeja em direção a um futuro desejado e a uma visão comum. A visão geralmente é uma integração de várias aspirações de diferentes partes interessadas e setores que dependem da estrutura de governança que os rege. Uma ferramenta como o desenvolvimento de cenários é de grande importância, uma vez que ajuda os tomadores de decisão a visualizar tanto o futuro que pode se desenvolver devido a ações/políticas específicas quanto as ações/políticas necessárias para que um determinado futuro aconteça. Para a região dos Açores, o MarSP adotou um processo de construção de cenários com base em uma combinação de duas abordagens: uma exploratória ("o que pode ser feito?") e uma normativa ("como um objetivo específico será alcançado?").

A metodologia está estruturada em quatro etapas principais (Figura 1):

(i) definição dos objetivos do MSP com base na revisão de políticas e seguindo as contribuições das partes interessadas (BB2);

(ii) identificação dos principais objetivos após consulta com especialistas regionais;

(iii) desenvolvimento de histórias de cenários; e

(iv) balanceamento entre cenários com base no feedback das partes interessadas obtido por meio de ações de engajamento (incluindo, primeiro, (i) uma votação sobre o cenário e, segundo, (ii) uma votação sobre as frases que construíram o enredo dos cenários).

Fatores facilitadores
  • Uma metodologia de envolvimento das partes interessadas definida no início do processo, conectando as diferentes etapas ao longo do processo.
  • A existência de uma visão e de objetivos de MSP baseados em um processo participativo permitiu a construção de cenários mais personalizados para a região.
  • Workshops anteriores para o engajamento de especialistas e partes interessadas e o compartilhamento dos resultados definiram o caminho para sua crescente disposição em participar e colaborar.
  • A classificação dos especialistas dos objetivos em temas: ambiental, social e econômico foi a base para a criação de histórias robustas.
Lição aprendida

Entre os três cenários propostos (um de orientação econômica, um de orientação ambiental e um de orientação social), as partes interessadas votaram no cenário ambiental. No entanto, selecionaram mais frases do cenário econômico, o que sugere que os participantes estão ideologicamente dispostos a proteger o meio ambiente, mas menos dispostos a tomar as medidas necessárias para que esse cenário realmente aconteça.

BB4. Análise setorial e briefings

Para entender a situação atual e potencial dos usos e atividades marítimas nos Açores, foi elaborada uma análise setorial abrangente, incluindo nove setores. Para cada setor marítimo identificado na região, foi feito um resumo do setor. Cada briefing de setor inclui informações relacionadas à sua caracterização, ao quadro jurídico relevante, à distribuição espacial atual e potencial, a uma análise SWOT, a uma análise das interações (com outros setores, com o meio ambiente e com as interações terra-mar), bem como a uma análise das pressões resultantes de diferentes fatores de mudança (por exemplo, mudanças climáticas, mudanças demográficas e políticas de crescimento azul). Esse trabalho envolveu uma extensa coleta de informações, tanto por meio de revisão da literatura quanto por meio de informações coletadas das partes interessadas durante o processo de engajamento.

Fatores facilitadores
  • As análises setoriais são essenciais para entender o cenário atual.
  • Uma quantidade significativa de informações estava disponível on-line.
  • Disposição de algumas instituições para fornecer dados atualizados.
Lição aprendida
  • É preciso tempo para desenvolver essa metodologia de forma robusta e consistente.
  • Às vezes, é extremamente difícil obter informações sobre o setor.
  • Algumas instituições não estavam disponíveis para apoiar o processo de coleta de dados.
BB5. Banco de dados espacial e preenchimento de lacunas de dados

A base de dados espacial elaborada para o arquipélago dos Açores baseou-se essencialmente na compilação de informações cartográficas já existentes e disponíveis. Isso se deveu ao período de tempo limitado para a implementação do projeto MarSP e à necessidade de validação das informações pelas entidades/autoridades competentes, no caso da elaboração de nova cartografia. Assim, as novas informações coletadas foram compostas por informações produzidas durante o processo participativo. O processo participativo, com a consequente produção de informações cartográficas, baseou-se em duas etapas distintas: (i) desenvolvimento de entrevistas individuais, com os principais atores representantes de cada um dos setores de atividades marítimas identificados para os Açores e (ii) workshops para discussão e/ou validação dos resultados preliminares obtidos durante a pesquisa e as entrevistas setoriais realizadas, e para acréscimo de mais informações (durante o 3º workshop de stakeholders). Para coletar os dados nas entrevistas realizadas, foi utilizada uma solução baseada na web (SeaSketch). Essa solução reúne ferramentas poderosas para capacitar e aprimorar o processo de MSP.

Fatores facilitadores
  • As entrevistas presenciais permitem uma melhor participação e coleta de dados.
  • Os workshops permitem o esclarecimento de dúvidas, a alteração de dados e a coleta de novos dados.
  • O uso de uma ferramenta baseada na web (SeaSketch) facilita a coleta de informações espaciais durante as entrevistas.
Lição aprendida
  • As entrevistas consomem muito tempo.
  • O preenchimento de lacunas de conhecimento exige um grande esforço.
  • Necessidade de tempo para validar informações/dados pelas entidades competentes, no caso da elaboração de uma nova cartografia.
Impactos
  1. Aumento do conhecimento e da conscientização sobre o planejamento do espaço marítimo entre as partes interessadas, o que desenvolveu as capacidades nesse campo.
  2. Aumento da confiança entre as partes interessadas, contribuindo para uma maior disposição das partes interessadas em participar e apoiar a implementação do plano espacial marítimo futuro.
  3. Preencheram lacunas de conhecimento em vários aspectos relevantes para o processo de planejamento, incluindo a distribuição espacial de determinados setores marítimos.
  4. As partes interessadas puderam influenciar o plano por meio de sua participação no processo.
  5. Forneceu a estrutura inicial para que a autoridade competente finalizasse e implementasse o plano espacial marítimo regional dos Açores.

Espera-se que os conflitos existentes entre os setores marítimos diminuam quando o plano for implementado.

Beneficiários

O Governo Regional dos Açores, que é a autoridade competente para coordenar o desenvolvimento do plano do PEM. As partes interessadas e os setores marítimos que tiveram a oportunidade de contribuir para o plano com suas opiniões, valores e informações.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
ODS 8 - Trabalho decente e crescimento econômico
ODS 9 - Indústria, inovação e infraestrutura
ODS 11 - Cidades e comunidades sustentáveis
ODS 14 - Vida debaixo d'água
História
Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=JRGz_VcHWTY&feature=youtu.be
Tânia Pipa, bióloga da Ilha do Corvo (Grupo Ocidental).
Source: https://www.youtube.com/watch?v=JRGz_VcHWTY&feature=youtu.be

De Corvo, a ilha mais ocidental dos Açores, com a menor população (~400 habitantes) e tamanho (~17 km2), Tânia Pipa, conta sua perspectiva e impressões sobre o processo participativo. Para ela, o processo de engajamento na região foi muito participativo. Ela gostou muito de fazer parte dele e sentiu-se orgulhosa por ter tido a chance, juntamente com outras partes interessadas de diferentes origens e pontos de vista, de contribuir para o MSP regional e para a discussão promovida pelo projeto.

Como bióloga que trabalha com a conservação de aves marinhas, Tânia disse que o processo lhe deu a oportunidade de aprender, compartilhar experiências e entender melhor as perspectivas de outros setores (por exemplo, turismo, transporte marítimo etc.). Ela também destacou que os resultados das discussões, construídas por vários usuários marítimos, apoiam o desenvolvimento de medidas voltadas para o crescimento econômico, levando em conta a conservação do oceano. Ela terminou dizendo que realmente acredita que a abordagem participativa realizada por meio do projeto MarSP deve estar sempre em vigor para futuros MSPs como forma de validar o processo.

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Outros colaboradores
Cláudia Hipólito
Universidade dos Açores (UAc)/Fundo Regional para a Ciência e Tecnologia (FRCT)
Camila Pegorelli
Universidade dos Açores (UAc)
Marta Vergílio
Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Recursos Genéticos (CIBIO)
Mario Caña Varona
Universidade dos Açores (UAc)
Maria Vale
Fundo Regional de Ciência e Tecnologia (FRCT)
Luz Paramio
Fundo Regional de Ciência e Tecnologia (FRCT)