Gestão de recursos de acesso e repartição de benefícios (ABS) na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Iratapuru

Solução completa
Quebra da castanha-do-pará realizada na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Iratapuru, Amapá, Brasil.
© Maurício de Paiva, 2019. All rights reserved. Authorized for institutional, educational, or outreach purposes only, with proper credit.

Em meados da década de 2000, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Iratapuru, uma área protegida que combina a conservação da floresta amazônica e o uso sustentável por comunidades tradicionais, foi palco da primeira iniciativa reconhecida de bioprospecção no Amapá. A comunidade de São Francisco do Iratapuru, representada pela cooperativa COMARU, assinou o primeiro Acordo de Repartição de Benefícios (ABS) do Brasil com a Natura e o Governo do Estado (via SEMA/AP), envolvendo o uso do breu-branco(Protium pallidum), o que levou ao lançamento do "Perfume do Breu" em 2004. Em seguida, foi criado um fundo para gerenciar os recursos de compartilhamento de benefícios, inicialmente administrado pela Natura. A comunidade acessou esses recursos por meio de projetos, mas com autonomia limitada. Com a Lei Federal 13.123/2015, a gestão passou em 2018 para a própria COMARU, apoiada por um Comitê Gestor participativo. Desde então, os projetos financiados incluem melhorias na infraestrutura da comunidade, fortalecimento das cadeias de valor e capacitação local, promovendo transparência, protagonismo social e impactos positivos na RDS.

Última atualização: 03 Oct 2025
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Contexto
Desafios enfrentados
Seca
Chuvas irregulares
Gerenciamento ineficiente dos recursos financeiros
Desenvolvimento de infraestrutura
Falta de oportunidades alternativas de renda
Mudanças no contexto sociocultural
Falta de infraestrutura

Implementação do novo modelo de gestão do Fundo de Repartição de Benefícios para superar os obstáculos identificados, organizados em três dimensões principais.

  • Ambiental: garantir o uso sustentável da biodiversidade na RDS do Rio Iratapuru, evitando a exploração predatória e promovendo pesquisas que ampliem o conhecimento sobre as espécies e os meios de subsistência locais.
  • Social: abordar a autonomia limitada da comunidade, a baixa participação na tomada de decisões e a falta de transparência no modelo anterior, ao mesmo tempo em que fortalece a governança participativa e a colaboração entre comunidades e instituições.
  • Econômico: garantir a sustentabilidade financeira do Fundo, ampliar o acesso a diferentes comunidades e organizações e criar mecanismos de gestão que garantam equidade, transparência e continuidade.

A superação desses desafios consolidou um modelo com um Comitê Gestor participativo, chamadas públicas para apresentação de propostas, imobilização de capital e fortalecimento da COMARU e dos parceiros locais, com maior governança, autonomia e impactos positivos de longo prazo.

Escala de implementação
Subnacional
Ecossistemas
Floresta tropical perene
Tema
Acesso e compartilhamento de benefícios
Financiamento sustentável
Governança de áreas protegidas e conservadas
Meios de subsistência sustentáveis
Conhecimento tradicional
Ciência e pesquisa
Extrativos
Localização
Rio Iratapuru, Laranjal do Jari - Amapá, 68920-000, Brasil
América do Sul
Processar
Resumo do processo

A experiência do Fundo Iratapuru mostra que os três componentes básicos se complementam e formam um mecanismo que garante resultados consistentes. O primeiro passo foi a transferência da gestão direta dos recursos para a COMARU, um elemento central para o fortalecimento da autonomia da comunidade. Essa mudança só foi viabilizada pelo segundo bloco: a criação do Comitê Gestor do Fundo Iratapuru, que trouxe governança participativa, transparência e apoio técnico, permitindo que diferentes atores compartilhassem responsabilidades e decisões. O terceiro bloco, representado pelas chamadas públicas para seleção de projetos, transformou essa estrutura de gestão em impactos concretos, promovendo a inovação comunitária, a pesquisa aplicada e o fortalecimento institucional. Juntos, os blocos garantem a sustentabilidade financeira, o equilíbrio entre o rigor técnico e as realidades locais e a consolidação de um modelo de repartição de benefícios que valoriza o conhecimento tradicional, cria oportunidades e amplia os impactos sociais e ambientais na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Iratapuru.

Blocos de construção
Transferência da gestão direta da conta bancária do Fundo: os recursos foram transferidos da conta da Natura para uma conta gerenciada pela COMARU

A transferência da gestão direta da conta bancária do Fundo foi um marco no fortalecimento da autonomia comunitária da COMARU. Anteriormente, os recursos estavam sob a administração da Natura, que avaliava e aprovava as propostas apresentadas. Com a mudança, a cooperativa assumiu o controle direto, definindo - juntamente com o Comitê Gestor - os critérios, as chamadas de propostas e as prioridades de aplicação. Esse arranjo promoveu maior transparência, participação social e fortalecimento institucional, garantindo que os benefícios chegassem às comunidades locais em torno da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru (RDSI) e às instituições parceiras de forma mais equitativa.

Fatores facilitadores
  • Lei Federal 13.123/2015 e Decreto 8.772/2016, proporcionando clareza jurídica;
  • Consolidação da COMARU como uma organização comunitária legítima;
  • Parcerias estratégicas com a SEMA/AP, Natura, Bio-Rio, Fundação Jari e RURAP;
  • Um Comitê de Gestão participativo que garante a governança compartilhada;
  • Disponibilidade de recursos financeiros suficientes para sustentar o modelo.
Lição aprendida
  • A gestão direta fortaleceu a autonomia e a confiança da comunidade na governança do Fundo;
  • A autonomia efetiva exigiu treinamento administrativo e financeiro para a COMARU;
  • As chamadas públicas ampliaram o alcance, mas exigiram comunicação e capacitação para a apresentação de propostas competitivas;
  • A imobilização do capital do Fundo e o uso exclusivo dos juros garantiram a sustentabilidade, mas exigiram paciência e compreensão da comunidade;
  • A conciliação de interesses diversos no Comitê de Gestão mostrou que regras claras de governança e decisões transparentes são essenciais;
  • A replicação futura deve investir em treinamento contínuo, fortalecimento institucional das organizações comunitárias e mecanismos de monitoramento para garantir impactos de longo prazo.
Criação e funcionamento do Comitê de Gestão do Fundo Iratapuru para apoiar a COMARU na gestão dos recursos

Com a promulgação da Lei Federal nº 13.123/2015, a Natura realizou reuniões com o Governo do Amapá (SEMA/AP) e a comunidade de São Francisco do Iratapuru (representada pela COMARU e pela Associação Bio-Rio), resultando em um Termo Aditivo ao Acordo que criou o Fundo Natura para o Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais, posteriormente renomeado como Fundo Iratapuru. Essas discussões evidenciaram a necessidade de apoiar a COMARU na gestão dos recursos, que seriam transferidos da conta da Natura para a sua própria conta, dados os valores significativos envolvidos. Foi criado o Comitê Gestor do Fundo Iratapuru, composto por cinco instituições votantes (COMARU, Bio-Rio, SEMA/AP, Natura e Fundação Jari) e dois membros consultivos (RURAP e SEBRAE/AP). Os acordos definiram a composição do Fundo, a periodicidade dos repasses, os critérios de aplicação e a exigência de que os projetos financiados atendam a pelo menos uma das 21 linhas de ação, com acesso por meio de chamadas públicas.

Fatores facilitadores

O sucesso do Comitê dependia de:

  1. Imobilização do capital do Fundo em investimentos de longo prazo, utilizando apenas juros para garantir a sustentabilidade;
  2. Acesso por meio de três chamadas anuais, duas para comunidades RDSI e uma para instituições de pesquisa;
  3. Financiamento, pelo próprio Fundo, de uma Secretaria Executiva para apoiar o Comitê.
Lição aprendida

Ao longo dos anos, o trabalho do Comitê de Gestão do Fundo de Iratapuru trouxe lições valiosas sobre os desafios e os caminhos para fortalecer a gestão comunitária e garantir maior transparência no uso dos recursos. As principais lições incluem:

  1. As instituições baseadas na comunidade precisam de apoio contínuo para melhorar sua gestão financeira;
  2. O treinamento constante, ou a contratação de profissionais qualificados, é essencial para a elaboração de projetos competitivos e para o acesso aos recursos do Fundo;
  3. Os investimentos geram impactos que vão além da infraestrutura produtiva, criando benefícios sociais significativos, como o apoio à educação dos filhos dos extrativistas, desde o ensino médio até a pós-graduação;
  4. O fortalecimento dos mecanismos de controle se mostrou necessário: embora apenas a COMARU possa administrar a conta, o acesso aos extratos bancários também foi concedido à Secretaria Executiva e aos membros do Comitê, garantindo maior transparência e confiança coletiva.
Chamadas públicas do Fundo Iratapuru para a seleção de projetos comunitários e de pesquisa

As chamadas públicas do Fundo Iratapuru marcam um passo decisivo na democratização do acesso aos recursos, permitindo que as comunidades do entorno da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru (RDSI) e as instituições de pesquisa concorram de forma transparente e equitativa. Desde 2019, são lançadas chamadas anuais que abrangem linhas de ação voltadas para o fortalecimento comunitário, melhoria da infraestrutura produtiva, promoção da educação, capacitação técnica e apoio à pesquisa científica aplicada. O processo envolve várias etapas: ampla divulgação da chamada, treinamento e apoio às comunidades na elaboração das propostas, análise técnica rigorosa pelo Comitê Gestor, deliberação coletiva e posterior monitoramento dos projetos aprovados. Esse arranjo não só fortalece a autonomia das comunidades e fomenta a inovação local, como também amplia os impactos positivos na região, contribuindo para o desenvolvimento sustentável, o fortalecimento institucional e a produção de conhecimento científico voltado para a conservação da biodiversidade e a valorização dos meios de vida tradicionais.

Fatores facilitadores

O sucesso das chamadas é garantido por fatores-chave:

  1. O papel de um Comitê de Gestão participativo, responsável pela definição de critérios claros e pela avaliação das propostas;
  2. Estabilidade financeira garantida pelos retornos do capital principal do Fundo;
  3. Oportunidades de treinamento que fortalecem a capacidade técnica das comunidades e das instituições proponentes;
  4. Processos transparentes em todos os estágios, desde a seleção até a implementação e a prestação de contas dos projetos apoiados.
Lição aprendida

As principais lições aprendidas com as chamadas públicas do Fundo Iratapuru incluem:

  1. Aumento da transparência e fortalecimento da confiança da comunidade, embora isso exija uma comunicação clara, acessível e contínua;
  2. O desenvolvimento prévio de capacidade é essencial, pois as comunidades menos experientes enfrentam dificuldades para atender aos requisitos técnicos sem o apoio adequado;
  3. Os projetos aprovados geraram impactos significativos, como melhorias nas cadeias de valor, fortalecimento institucional e maior acesso à educação formal;
  4. No campo da pesquisa, as chamadas incentivaram estudos aplicados sobre biodiversidade, contribuindo para a gestão da RDSI e a valorização do conhecimento tradicional;
  5. Iniciativas semelhantes devem garantir o equilíbrio entre os critérios técnicos e a realidade das comunidades, evitando barreiras de acesso e garantindo a equidade na distribuição dos benefícios.
Impactos

Após a regulamentação da Lei Federal nº 13.123/2015 por meio do Decreto Federal nº 8.772/2016, iniciaram-se as discussões para a implementação de um novo modelo de gestão do Fundo de Repartição de Benefícios. Essas discussões foram concluídas em 2018 com o estabelecimento do arranjo que vigora até hoje. Esse novo modelo prevê que o Fundo seja gerido por um Comitê Gestor e que o acesso aos recursos seja concedido por meio de editais públicos, ampliando assim seu alcance para outras comunidades do entorno da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru (RDSI) e para instituições de pesquisa.

Entre os impactos positivos desse novo arranjo, destacam-se os seguintes:

  • Maior transparência na gestão e no uso dos recursos, com chamadas públicas para propostas e relatórios financeiros submetidos à análise do Comitê Gestor;
  • Financiamento de pesquisas científicas na RDSI, promovendo a produção de conhecimento sobre a biodiversidade e os modos de vida locais;
  • Tomada de decisão conjunta sobre a imobilização do capital principal do Fundo em investimentos financeiros, utilizando apenas os retornos (juros) das chamadas de propostas, garantindo a sustentabilidade financeira de longo prazo;
  • Fortalecimento institucional da COMARU, da Associação Bio-Rio e das comunidades do entorno, com maior autonomia, capacidade de gestão e coordenação de redes.
Beneficiários
  1. As comunidades beneficiárias do RDSI: São Francisco do Iratapuru, Padaria, São José, Santo Antônio da Cachoeira e Cupixi;
  2. O Governo do Estado do Amapá (GEA), por meio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá (SEMA/AP);
  3. E a própria empresa Natura.
Estrutura Global de Biodiversidade (GBF)
Meta 1 do GBF - Planejar e gerenciar todas as áreas para reduzir a perda de biodiversidade
Meta 3 do GBF - Conservar 30% da terra, das águas e dos mares
Meta 5 do GBF - Garantir a colheita e o comércio sustentáveis, seguros e legais de espécies silvestres
Meta 9 da GBF - Gerenciar espécies selvagens de forma sustentável para beneficiar as pessoas
Meta 13 da GBF - Aumentar o compartilhamento dos benefícios dos recursos genéticos, das informações de sequências digitais e do conhecimento tradicional
Meta 14 do GBF - Integrar a biodiversidade na tomada de decisões em todos os níveis
Meta 20 do GBF - Fortalecer a capacitação, a transferência de tecnologia e a cooperação científica e técnica para a biodiversidade
Meta 22 do GBF - Garantir a participação de todos na tomada de decisões e no acesso à justiça e às informações relacionadas à biodiversidade
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
ODS 1 - Erradicação da pobreza
ODS 8 - Trabalho decente e crescimento econômico
ODS 10 - Redução das desigualdades
ODS 12 - Consumo e produção responsáveis
ODS 15 - Vida na terra
ODS 17 - Parcerias para os objetivos
História
Grupo de representantes institucionais posando na sala de reuniões do Comitê Diretor do Fundo Iratapuru; pessoas em pé e sentadas ao redor de uma mesa com laptops, crachás e materiais de trabalho, algumas vestindo camisas verdes com o logotipo do Fundo.
Representantes institucionais em uma reunião do Comitê Gestor do Fundo Iratapuru, com a participação de Grayton Toledo, analista ambiental e representante da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá (SEMA/AP).
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A experiência do Fundo Iratapuru representa uma história inspiradora de empoderamento comunitário e inovação na gestão socioambiental da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Iratapuru. Durante o período em que a Natura gerenciou o Fundo (2004-2017), ficou claro que as organizações de base comunitária enfrentavam dificuldades para levantar e gerenciar recursos financeiros. Para enfrentar esse desafio, a empresa propôs que, uma vez transferida a gestão para a comunidade de São Francisco do Iratapuru, representada pela COMARU, fosse criado um Comitê Gestor interinstitucional. Em 2018, essa proposta foi implementada, introduzindo chamadas públicas de propostas como um mecanismo transparente e democrático para as comunidades do entorno da RDS acessarem recursos. Também foram definidas 20 linhas de ação temáticas para orientar os projetos apoiados.

Na reunião que formalizou esse arranjo, propus duas medidas estratégicas: a criação de uma chamada específica para apoiar pesquisas na RDS e em seu entorno e a decisão de preservar o capital principal do Fundo em investimentos de longo prazo, utilizando apenas os retornos anuais para financiar as chamadas, garantindo sua perpetuidade. Ambas as propostas foram aprovadas por unanimidade. Ao mesmo tempo, a comunidade sugeriu uma nova linha de ação: bolsas de estudo para filhos de famílias extrativistas, permitindo que os jovens passem do ensino médio para o ensino superior e até mesmo para a pós-graduação. Essa iniciativa também foi aprovada por unanimidade e hoje inspira histórias de resiliência e conquistas.

Esses marcos se transformaram em realizações duradouras. O Comitê de Gestão fortaleceu a capacidade da COMARU de administrar o Fundo, ampliou o apoio às comunidades e à pesquisa na região e criou oportunidades para que os jovens continuassem seus estudos com maior estabilidade. Ao longo dos anos, o Comitê aprimorou as práticas de governança, como elaboração de projetos, prestação de contas, relatórios periódicos, maior transparência no monitoramento financeiro e, mais recentemente, a contratação de uma auditoria interna para identificar pontos fracos e recomendar melhorias.

O Fundo Iratapuru e seu Comitê Gestor se consolidaram como exemplos concretos de como a união entre comunidade, parceiros institucionais e boas práticas de governança pode gerar impactos positivos de longo prazo. Trata-se de uma experiência replicável, capaz de inspirar outras comunidades amazônicas a desenvolver modelos sustentáveis de gestão e conservação.

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