Caixa de ferramentas de tomada de decisão para conservação inclusiva no Parque Nacional Sierra de Guadarrama
O Parque Nacional Sierra de Guadarrama abrange 33.960 ha no Sistema Central de Montanhas da Península Ibérica, nas regiões de Madri e Castela e Leão. O Parque Nacional inclui circos glaciais, formações rochosas de granito exclusivas, lagos alpinos, pastagens e florestas de pinheiros que contêm uma rica biodiversidade. O Parque Nacional recebe quase 2,5 milhões de visitantes por ano e é usado para atividades esportivas e recreativas. Ele também abrange uma variedade de partes interessadas locais envolvidas em diversas atividades, como pecuária extensiva, silvicultura, conservação da biodiversidade, educação e pesquisa. Esta solução apresenta um conjunto de ferramentas para ajudar os gestores e profissionais de áreas protegidas a aprimorar o envolvimento social na tomada de decisões de conservação, identificando, navegando e equilibrando visões, tensões e relações de poder entre as partes interessadas. A caixa de ferramentas foi criada no contexto do projeto ENVISION para apoiar a criação de políticas socialmente inclusivas e ações de gerenciamento em áreas protegidas.
Contexto
Desafios enfrentados
As autoridades do Parque Nacional, em seu esforço para equilibrar as metas de conservação com o bem-estar humano, precisam lidar com uma variedade de perspectivas, conhecimentos e valores de uma ampla gama de atores. Há administrações estaduais com competências de governo que se cruzam na área e as partes interessadas se envolvem em atividades diversas e, muitas vezes, concorrentes, como esportes ao ar livre, pecuária extensiva, silvicultura, conservação, educação e pesquisa. Por sua vez, muitos visitantes são atraídos pela proximidade do Parque Nacional (menos de 100 km) da grande área metropolitana de Madri (mais de 6,5 milhões de habitantes) e da cidade de médio porte de Segóvia (cerca de 50.000 habitantes). Esses usos múltiplos e concorrentes criam tensões sociais sobre como o parque deve ser administrado. Esse cenário levanta o desafio de como as diferentes visões, valores, conhecimentos e relações de poder entre as partes interessadas podem ser considerados para a governança da conservação e equilibrados para alcançar resultados positivos de conservação e bem-estar.
Localização
Processar
Resumo do processo
Os blocos de construção incluem uma diversidade de ferramentas de tomada de decisão que podem ser combinadas para abordar diferentes dimensões relacionadas à conservação inclusiva. Esse conjunto de ferramentas visa a: 1) reunir conhecimentos e valores locais (Bloco de construção 1), 2) elucidar visões e cenários futuros para a gestão de parques (Bloco de construção 2), 3) abordar a dinâmica de poder e promover o engajamento em ações coletivas (Bloco de construção 3) e 4) fortalecer a interface ciência-política para uma governança socialmente inclusiva (Bloco de construção 4). Essas ferramentas podem ser usadas de forma individual e complementar para apoiar a criação de políticas e ações de gestão socialmente inclusivas em áreas protegidas em todo o mundo. Esse conjunto de ferramentas também pode ser complementado e combinado com outras abordagens e técnicas que foram aplicadas em outras áreas de estudo de caso do projeto ENVISION (https://inclusive-conservation.org/). Mais informações sobre essas ferramentas podem ser encontradas nas soluções PANORAMA para Utrechtse & Krommerijn (Holanda), Västra Harg (Suécia) e Denali National Park and Preserve (Estados Unidos).
Blocos de construção
Coleta de conhecimento e valores locais
Para facilitar os processos baseados no local que promovem a conservação inclusiva, é necessário coletar conhecimentos, visões e valores locais/tradicionais de vários interessados. Alguns métodos para coletar essas informações foram usados no Parque Nacional Sierra de Guadarrama:
- Histórias orais e revisão de conjuntos de dados históricos para reconstruir como as visões passadas e os fatores de impacto ambiental mudaram nos últimos 50 anos e informar as metas de conservação atuais e futuras;
- Entrevistas com as partes interessadas locais sobre 1) como funciona a participação na área protegida e possíveis barreiras/oportunidades para um maior envolvimento social, e 2) suas visões para a gestão do parque, os valores e o conhecimento que sustentam essas visões e suas percepções sobre as mudanças na paisagem e os fatores subjacentes;
- Pesquisas presenciais com residentes, incluindo ferramentas de mapeamento participativo (por exemplo, Maptionnaire) sobre valores da paisagem e conhecimento ecológico. Pesquisas on-line com partes interessadas locais para identificar mudanças em suas visões, valores e percepções da paisagem após a pandemia da COVID-19; e
- Processos deliberativos incorporados em um exercício de planejamento de cenário participativo que usou mapas cognitivos e emocionais para coletar conhecimento coletivo da área protegida e, ao mesmo tempo, capturar relações afetivas entrelaçadas.
Fatores facilitadores
- Criou uma atmosfera de entendimento compartilhado, respeito e confiança com os participantes para facilitar a colaboração ao longo do processo;
- Esclareceu as metas e os resultados práticos do projeto para gerenciar as expectativas e estimular a participação; e
- Co-projetou com os participantes um plano de divulgação para disseminar melhor os resultados gerados e, ao mesmo tempo, conscientizar os participantes sobre o impacto de seu envolvimento e promover o aprendizado com a experiência de outros.
Lição aprendida
- Planejar cuidadosamente as atividades com as partes interessadas para evitar sobrecarregá-las com solicitações;
- Desenvolver atividades de acordo com o cronograma, a programação e as situações de eventos perturbadores (por exemplo, a pandemia de COVID-19) que funcionam melhor para a maioria dos participantes;
- O uso de abordagens de pesquisa quantitativa para coletar conhecimento baseado no contexto pode resultar em informações tendenciosas. Uma abordagem de método misto com base em dados quantitativos e qualitativos pode ajudar a evitar vieses e obter um conhecimento mais aprofundado do contexto;
- Os métodos on-line funcionam bem e sua implementação economiza tempo e dinheiro em comparação com os eventos presenciais, mas são menos eficazes na obtenção de boas interações pessoais;
- A síntese e o compartilhamento do conhecimento são apreciados pelas partes interessadas. Por exemplo, o conhecimento coletado de partes interessadas individuais sobre as mudanças na paisagem do Parque Nacional foi compartilhado com o grupo de partes interessadas em um workshop com a oportunidade de breves discussões. As partes interessadas indicaram que aprenderam e compreenderam os pontos de vista de outras pessoas sobre as mudanças na paisagem e os fatores de mudança.
Elucidando visões e cenários futuros para a gestão de parques
Essas três ferramentas ajudam a identificar visões e a elaborar cenários futuros, de forma participativa, para o gerenciamento de áreas protegidas:
- Mapeamento participativo (PGIS), uma ferramenta para visualizar informações em um contexto geográfico específico com foco em uma determinada questão de interesse. Essa ferramenta foi usada em pesquisas para obter as visões dos moradores com base nas percepções dos valores da paisagem e do conhecimento local;
- Streamline, uma ferramenta de síntese narrativa de código aberto que integra gráficos na forma de telas e ladrilhos, facilitando entrevistas e grupos de discussão de forma criativa e estimulante. O Streamline foi usado para que as partes interessadas expressassem seus valores e preferências em relação às ações de gerenciamento e compartilhassem seu conhecimento sobre as mudanças na paisagem;
- Exercício de planejamento de cenário participativo, um processo deliberativo que foi facilitado sobre futuros plausíveis e desejados por meio de um workshop on-line de dois dias (devido à pandemia de Covid-19) com as partes interessadas. Com base nas condições socioecológicas atuais e nos fatores que impulsionam as mudanças, os participantes avaliaram o que poderia acontecer nos próximos 20 anos, discutiram as implicações para a conservação da biodiversidade e a qualidade de vida daqueles que atualmente desfrutam dos serviços de ecossistema que ela oferece, ao mesmo tempo em que identificaram as estratégias para lidar com elas.
Fatores facilitadores
- Convidar e dar voz a grupos de partes interessadas que geralmente são pouco incluídos em espaços sociais para debater publicamente sobre conservação;
- Criar um processo colaborativo baseado em abordagens dissidentes para promover um espaço de trabalho transparente e horizontal;
- A criação de grupos de trabalho com uma representação equilibrada entre grupos de interessados, regiões da residência e gênero ajuda a evitar que apenas as vozes majoritárias sejam ouvidas.
Lição aprendida
- Os facilitadores e colaboradores locais foram essenciais para abordar uma grande amostra de residentes locais nas pesquisas e no workshop;
- Os processos on-line exigem esforços e recursos humanos significativos para lidar com várias plataformas e problemas técnicos simultaneamente. São necessárias habilidades específicas de facilitação especializada;
- As metodologias de planejamento de cenários devem considerar com mais ênfase os diferentes distúrbios em potencial e como os impulsionadores da mudança em um futuro próximo e distante podem ser afetados por eventos imprevisíveis, como uma pandemia.
Abordar a dinâmica de poder e promover o envolvimento em ações coletivas
Essas três ferramentas de tomada de decisão foram cruciais para abordar a dinâmica de poder e promover a participação e o envolvimento das partes interessadas na ação coletiva no Parque Nacional:
- Uma ferramenta analítica para caracterizar os tipos de arranjos de governança na área protegida. Os arranjos formais e informais de governança foram classificados em termos de responsabilidade das partes interessadas (compartilhada vs. concentrada) e influência (igual vs. desigual) em quatro tipos: prescritivo, informativo, consultivo e cooperativo. Ao aplicar essa ferramenta no Parque Nacional, identificamos os desafios para uma conservação mais inclusiva socialmente e, ao mesmo tempo, aprimoramos os mecanismos participativos existentes e delineamos novos mecanismos;
- Técnicas de facilitação baseadas em teatro para abordar a dinâmica de poder entre as partes interessadas. Ao utilizá-las em um workshop virtual, os participantes deliberaram sobre suas funções e relações de poder em torno da governança da conservação e como elas podem ser conciliadas para melhorar a colaboração;
- Um objeto de limite específico do contexto para facilitar a ação coletiva para a governança da conservação. Usando essa ferramenta gráfica em um workshop, os participantes avaliaram seu nível de disposição para colocar várias estratégias em prática. A ferramenta visualizou os resultados graficamente como um indicador da disposição potencial para passar da teoria à prática.
Fatores facilitadores
- A ferramenta analítica para caracterizar os arranjos de governança requer a coleta de dados sobre os mecanismos de tomada de decisão existentes por trás de cada arranjo identificado, os participantes envolvidos e como eles estão envolvidos;
- As abordagens baseadas em arte e o objeto de limite específico do contexto requerem um processo baseado em abordagens de coaprendizagem e coprodução de conhecimento por meio das quais os participantes deliberam sobre a dinâmica de poder, os desafios de conservação e definem estratégias colaborativas para enfrentá-los.
Lição aprendida
- A análise dos arranjos de governança formais e informais serve como um meio de entender como a participação na tomada de decisões de conservação é de fato moldada dentro da governança das áreas protegidas e como melhorar o engajamento dos interessados, considerando o contexto;
- É importante considerar os mecanismos informais de governança para entender as possíveis compensações, pois eles podem levar a resultados positivos e negativos para a conservação;
- A responsabilidade e a influência dos participantes são eixos analíticos fundamentais para delinear os mecanismos participativos a fim de identificar oportunidades para uma conservação mais inclusiva socialmente;
- Os métodos baseados em arte são úteis para incorporar aspectos de relações de poder nos debates sobre conservação;
- A elucidação de relações desiguais para a governança da conservação oferece oportunidades para esclarecer as funções dos participantes e suas responsabilidades e facilitar uma melhor compreensão de como elas podem ser conciliadas para melhorar a colaboração;
- A avaliação da disposição dos participantes para se envolverem na colocação das estratégias em prática é um fator crucial para orientar a ação coletiva.
Fortalecimento da interface ciência-política para uma governança socialmente inclusiva
A elaboração de um plano para criar entendimento e colaboração entre pesquisadores e tomadores de decisão foi uma ferramenta necessária para promover que o conhecimento científico possa ter impactos no domínio da política. Esse plano envolveu as seguintes ações:
- Reuniões presenciais ou on-line para apresentar formalmente o projeto de pesquisa aos tomadores de decisão e gerentes da área protegida, usando a mídia (por exemplo, rádio e imprensa) e desenvolvendo seminários para informar os residentes locais e outras partes interessadas sobre o projeto;
- Convite aos tomadores de decisão e gerentes para que se envolvam nas atividades do projeto (por exemplo, aliança de conhecimento local, filmes e reuniões);
- Adaptação das atividades de pesquisa à agenda dos tomadores de decisão para facilitar sua participação;
- Organização de reuniões regulares, webinars e boletins informativos nos idiomas locais para informar sobre os avanços e as descobertas do projeto;
- Desenvolvimento de workshops com os tomadores de decisão para analisar a aplicabilidade e a usabilidade das ferramentas resultantes e outros resultados de pesquisa dentro da área protegida;
- Divulgação de relatórios de pesquisa no idioma local antes da publicação de artigos acadêmicos para validar os resultados;
- Redação de postagens no blog do parque nacional e em outros sites relacionados para divulgar os resultados da pesquisa nos canais da área protegida.
Fatores facilitadores
- Realização de entrevistas com informantes-chave da equipe do Parque Nacional Sierra de Guadarrama para identificar os interesses e as necessidades dos tomadores de decisão e alinhar nossas atividades de pesquisa;
- Envolveu a equipe-chave do Parque Nacional com a capacidade de promover mudanças e decisões institucionais para facilitar que nossas percepções científicas possam ter impacto no ambiente de gerenciamento;
- Organizou um workshop com os tomadores de decisão para avaliar as ferramentas de pesquisa em termos de aplicabilidade no ciclo de gestão, a fim de facilitar seu uso por eles.
Lição aprendida
- Uma exploração antecipada do cenário de gestão e tomada de decisões é relevante para planejar e desenvolver pesquisas orientadas para soluções que possam ser implementadas dentro do ciclo de gestão;
- Reuniões periódicas entre pesquisadores e tomadores de decisão ajudam os cientistas a se conscientizarem da variedade de direções em que suas pesquisas podem impactar o domínio da política, e os tomadores de decisão obtêm acesso às melhores evidências disponíveis para tomar decisões. Isso é fundamental para alinhar a pesquisa às necessidades dos tomadores de decisão e facilitar o uso da ciência no ambiente de gestão;
- Produzir resultados científicos que possam ser traduzidos em resultados reais na gestão pode motivar os tomadores de decisão a participar da pesquisa;
- Redigir relatórios de políticas para introduzir percepções científicas no idioma nativo facilita o uso de informações científicas pelos tomadores de decisão;
- Planejar as atividades de pesquisa de modo a evitar sobrecarregar os tomadores de decisão com várias solicitações.
Impactos
Parte dos resultados da pesquisa relacionados à participação serviu como orientação prática para entender os mecanismos participativos e apoiar algumas estratégias/ações incluídas no subprograma de participação e voluntariado do Parque Nacional Sierra de Guadarrama, desenvolvido pelos gerentes e tomadores de decisão da área protegida. Especificamente, o conjunto de ferramentas de tomada de decisão detalhado nos blocos de construção (1 a 4) foi considerado de interesse por eles com base em sua possível aplicabilidade na área protegida. Como o subprograma acabou de ser iniciado, ainda não sabemos se todas essas ferramentas serão utilizadas.
Além disso, mais de 100 pessoas participaram ativamente de nossas atividades de pesquisa. Por meio dessas atividades, elas refletiram e aprenderam sobre as visões, preferências, tensões, responsabilidades e relações de poder dos diferentes grupos de interesse para avançar em direção a um melhor envolvimento social na tomada de decisões de conservação.
Beneficiários
Os gestores e profissionais de áreas protegidas podem se beneficiar diretamente da caixa de ferramentas para praticar a conservação socialmente inclusiva. As partes interessadas e as comunidades locais também podem se beneficiar, pois essas ferramentas podem facilitar sua participação na tomada de decisões.
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
História
Judit Maroto estudou Engenharia Florestal e fez mestrado em restauração de ecossistemas. Ela se dedicou à conservação ambiental por meio de atividades de pesquisa e gerenciamento. Atualmente, trabalha na unidade de gerenciamento do Parque Nacional Sierra de Guadarrama, na região de Castilla e León (Espanha). Como membro da equipe do Parque Nacional, ela é responsável pelo gerenciamento diário dessa área protegida. Entre suas funções, ela é responsável pelo subprograma de participação e voluntariado do Parque Nacional. Desde o início do projeto ENVISION, ela esteve envolvida em nossas atividades de pesquisa como membro de nossa aliança de conhecimento local, participou de reuniões regulares conosco e participou de diversas atividades de divulgação relacionadas ao projeto ENVISION (por exemplo, vídeos e webinars). Além disso, ela participou de: 1) entrevista semiestruturada com o objetivo de compreender melhor os mecanismos participativos formais e informais implementados no Parque Nacional; 2) exercício de planejamento de cenário participativo com as partes interessadas locais para deliberar coletivamente sobre futuros/visões plausíveis e desejados para o Parque Nacional; e 3) workshop com tomadores de decisão e especialistas em gestão de áreas protegidas para analisar os principais desafios e oportunidades do atual cenário participativo dentro da área protegida, definir estratégias de gestão para facilitar o envolvimento social na gestão e avaliar ferramentas de pesquisa que possam ser úteis para apoiar abordagens de conservação mais inclusivas socialmente. O feedback dela e de outros especialistas em gestão de áreas protegidas facilitou que nossa pesquisa pudesse responder melhor a algumas das necessidades e desafios de gestão do Parque Nacional. Isso facilita a aplicabilidade da pesquisa no ciclo de gestão para criar mecanismos participativos e ações de gestão de forma inclusiva. Em maio de 2021, ela confirmou a usabilidade de nossas descobertas para reforçar o desenvolvimento do subprograma de participação e voluntariado do Parque Nacional Sierra de Guadarrama, de modo que elas estão sendo consideradas para apoiar esse subprograma. Esperamos que nossa recente colaboração entre ciência e política possa continuar no futuro, de modo que a pesquisa possa apoiar a criação de modelos de governança socialmente inclusivos no Parque Nacional da Serra de Guadarrama e em outras áreas protegidas.